“Pinta em mim as cores do arco-íris por favor...” pediu-me ela sussurando ao ouvido, com aquela voz doce como o mel, esboçando um sorriso tímido, como se fosse uma menina de 5 anos e não uma mulher adulta já.
Eu acedi ao seu pedido e procurei o meu estojo antigo de arte, que usava até à adolescência nas disciplinas de trabalhos manuais. O estojo estava até com pó, mesmo estando guardado no gavetão debaixo da minha cama, pois já não era usado há anos. Tirei os pincéis e as aguarelas de lá, fui buscar água à cozinha e quando voltei ela estava sentada de pernas cruzadas e braços repousados por cima dos joelhos, com os seus olhos grandes e escuros, envergando um sorriso maroto, olhando fixamente para cada movimento meu.
Quando preparava as coisas, ela chamou-me para perto de si, para eu me sentar em frente a ela. Beijou-me e começou a desenhar com os seus dedos na minha cara, depois pescoço e finalmente braços, provocando em mim uma onda de arrepios e sensações de prazer. O seu toque era tão subtil e ela tocava-me tão ao de leve, que fechava os olhos e era capaz de ouvir o meu coração bater apressadamente, era capaz de ouvir a sua respiração ofegante a misturar-se com a minha, capaz de visualizar tudo o que estava acontecer, apenas de forma mental e sensitiva.
Elas gostavam de ter espaço e tempo para ligar aos detalhes, aos 5 sentidos que os seres humanos têm, por isso concentravam-se para ouvir, ver, sentir, cheirar e saborear tudo em cada momento.
“Para te pintar, tenho que te despir a camisola e vendar os olhos, para que sintas o que estou a fazer e para depois quando vires o trabalho final ser uma surpresa, pode ser?” perguntou a pseudo-artista, ao qual a outra acedeu prontamente.
Após lhe tirar a camisola e vendar os olhos, pedi que se deitasse e pintei-lhe na barriga um arco-íris e uma cara sorridente, usando o umbigo como nariz, fazendo uns olhinhos de chinês por cima e uma boca enorme a sorrir.
Quando achei que a minha obra-prima estava acabada e bem feita, retirei-lhe a venda dos olhos, apercebendo-me que o soutien rosa completava a paleta de cores. Ela olhou para baixo maravilhada e desatou a rir por causa da cara que eu tinha feito por baixo do arco-íris. Abraçou-me e com a cara iluminada à meia-luz, devido à luz que se extinguia lá fora por causa do final da tarde, disse-me toda eufórica “Pintaste um arco-íris e uma cara sorridente em mim, tornando-me uma pessoa melhor. Agora só te falta fazer o mesmo por outras pessoas que também precisam de sorrir de forma espontânea e precisam esquecer a sua dor, como é o caso de crianças que estam em sofrimento por vários motivos, por exemplo, doença...”.
A ideia entrou-me na mente como um projéctil e fez com que se acende-se uma lâmpada que há muito tinha sido fundida, por falta de iniciativa ou coragem, que foi a de fazer voluntariado, ajudando crianças que precisam de preferência.
Dei-lhe a mão com força e senti uma onda energética correr entre nós, como a concretização de um objectivo, numa tarde cinzenta de Outono que à partida não tinha nada de diferente das outras, mesmo que fossem tardes luminosas, tendo esta um propósito.
Eu disse entusiasmada: “Já que gravei na tua pele essas cores todas e na nossa mente este momento único e lindo, acho que vou começar a pintar sorrisos de arco-íris onde puder.”
O final da tarde foi passado a rir e sentindo aquela felicidade conquistada aos poucos, da melhor forma possível, sendo esta acompanhada de sentimentos que flutuavam no ar, contacto físico intenso (misturando-se as tintas nos dois corpos femininos) e bonitas perspectivas futuras, que solidamente se tornariam projectos de vida.