3 de novembro de 2009

Arco-íris

“Pinta em mim as cores do arco-íris por favor...” pediu-me ela sussurando ao ouvido, com aquela voz doce como o mel, esboçando um sorriso tímido, como se fosse uma menina de 5 anos e não uma mulher adulta já.
Eu acedi ao seu pedido e procurei o meu estojo antigo de arte, que usava até à adolescência nas disciplinas de trabalhos manuais. O estojo estava até com pó, mesmo estando guardado no gavetão debaixo da minha cama, pois já não era usado há anos. Tirei os pincéis e as aguarelas de lá, fui buscar água à cozinha e quando voltei ela estava sentada de pernas cruzadas e braços repousados por cima dos joelhos, com os seus olhos grandes e escuros, envergando um sorriso maroto, olhando fixamente para cada movimento meu.
Quando preparava as coisas, ela chamou-me para perto de si, para eu me sentar em frente a ela. Beijou-me e começou a desenhar com os seus dedos na minha cara, depois pescoço e finalmente braços, provocando em mim uma onda de arrepios e sensações de prazer. O seu toque era tão subtil e ela tocava-me tão ao de leve, que fechava os olhos e era capaz de ouvir o meu coração bater apressadamente, era capaz de ouvir a sua respiração ofegante a misturar-se com a minha, capaz de visualizar tudo o que estava acontecer, apenas de forma mental e sensitiva.
Elas gostavam de ter espaço e tempo para ligar aos detalhes, aos 5 sentidos que os seres humanos têm, por isso concentravam-se para ouvir, ver, sentir, cheirar e saborear tudo em cada momento.
“Para te pintar, tenho que te despir a camisola e vendar os olhos, para que sintas o que estou a fazer e para depois quando vires o trabalho final ser uma surpresa, pode ser?” perguntou a pseudo-artista, ao qual a outra acedeu prontamente.
Após lhe tirar a camisola e vendar os olhos, pedi que se deitasse e pintei-lhe na barriga um arco-íris e uma cara sorridente, usando o umbigo como nariz, fazendo uns olhinhos de chinês por cima e uma boca enorme a sorrir.
Quando achei que a minha obra-prima estava acabada e bem feita, retirei-lhe a venda dos olhos, apercebendo-me que o soutien rosa completava a paleta de cores. Ela olhou para baixo maravilhada e desatou a rir por causa da cara que eu tinha feito por baixo do arco-íris. Abraçou-me e com a cara iluminada à meia-luz, devido à luz que se extinguia lá fora por causa do final da tarde, disse-me toda eufórica “Pintaste um arco-íris e uma cara sorridente em mim, tornando-me uma pessoa melhor. Agora só te falta fazer o mesmo por outras pessoas que também precisam de sorrir de forma espontânea e precisam esquecer a sua dor, como é o caso de crianças que estam em sofrimento por vários motivos, por exemplo, doença...”.
A ideia entrou-me na mente como um projéctil e fez com que se acende-se uma lâmpada que há muito tinha sido fundida, por falta de iniciativa ou coragem, que foi a de fazer voluntariado, ajudando crianças que precisam de preferência.
Dei-lhe a mão com força e senti uma onda energética correr entre nós, como a concretização de um objectivo, numa tarde cinzenta de Outono que à partida não tinha nada de diferente das outras, mesmo que fossem tardes luminosas, tendo esta um propósito.
Eu disse entusiasmada: “Já que gravei na tua pele essas cores todas e na nossa mente este momento único e lindo, acho que vou começar a pintar sorrisos de arco-íris onde puder.”
O final da tarde foi passado a rir e sentindo aquela felicidade conquistada aos poucos, da melhor forma possível, sendo esta acompanhada de sentimentos que flutuavam no ar, contacto físico intenso (misturando-se as tintas nos dois corpos femininos) e bonitas perspectivas futuras, que solidamente se tornariam projectos de vida.

5 comentários:

Anónimo disse...

"Pinta em mim as cores do arco-iris"
..dos textos mais lindos que já li, capazes de tocar no coração, de nos deixar emocionar e esboçar um sorriso.

Sim, "pintas-te um arco-iris e uma cara sorridente em mim".

Bá disse...

Para variar os teus textos emocionam-me sempre, entram dentro de mim de uma maneira inexplicável e consomem-me ! Adorei este texto em particular por falares das crianças, que às vezes são mesmo deixadas ao abandono... Quase me fizeste chorar ! Adorei !

AlmaAzul disse...

Lindo :)

Anónimo disse...

adorei cat :)

Anónimo disse...

O teu sorriso também é um arco-íris e bem bonito! Acompanhado dos teus olhos intensos e lindos, my little Deep Eyes! =)

Que texto mais emocionante me ofereceste neste dia cinzento! Obrigada por isso.

Tive pena de não te ter visto este fds porque tenho saudades tuas, mas como sempre os nossos horários andam trocados e a família teve que ganhar, porque os piolhos faziam anos...

Mas nas férias de Natal logo nos vemos e será mágico, prometo!


Always in my heart and mind baby,

Maria