21 de junho de 2009

Sobriedade

O som trespassava-lhe a barreira de pele que protegia o seu frágil corpo, fazendo com que as feridas externas se fechassem, dando uma sensação de alívio. A música curava-a, o alcóol e a droga dentro de si ajudavam-na a libertar-se das feridas internas também, que a massacravam há já muitos anos.

Criava-se assim uma película envolvendo o seu corpo, como se fosse uma carapaça protectora, convertendo um corpo outrora frágil, em um mais resistente agora. Tudo rodopiava à sua volta e as imagens que os seus olhos registavam, passavam rapidamente diante de si, como se só ela estivesse parada. Observando tudo atentamente ao pormenor, distinguindo apenas pontos de interesse e focando-se neles, para mais tarde recordá-los de forma vívida.

As luzes e cores fortes do ambiente invadiam os seus olhos dilatados, enquanto que o suor se ia instaurando sobre a sua pele quente, pois dançava e saltava freneticamente ao ver o concerto. O suor escorria pelas suas costas arqueadas mais velozmente, o sangue subia à sua cabeça, o ar tornava-se rarefeito e o seu coração pulsava arrebatadoramente no seu peito. A sua mente girava, os seus pensamentos iam e vinham à velocidade da luz e dificilmente se centrava em algo concreto durante muito tempo.

A música envolvente do concerto chegava a si e embriagava-a duma forma mais autêntica do que se estivesse a ouvi-la nalgum aparelho tecnológico. Ali tudo era diferente, pois tinha pessoas à sua volta e consigo, em particular uma em especial, que a fazia se sentir não apenas como um invólucro para o seu prórpio corpo, mas uma pessoa viva e capaz de fazer os outros felizes. E, obviamente, também de ser feliz e viver apaixonadamente cada momento, cada pessoa, cada frêmito de vida que lhe era oferecido dia após dia.

Sentia a terra debaixo dos seus pés a vibrar e todo o seu corpo tremer com a forte voltagem de energia que saia das colunas, expandindo a música por um raio extenso à sua volta, para que todos pudessem ser contagiados com aquele concerto.

Segurava uma garrafa na mão, que também tremia pelos mesmos motivos e aumentava o seu grau de êxtase, cada vez que ingeria mais um pouco de sangria, que tinha a cor da paixão e o gosto doce do desejo.

A sua alma desprendia-se do seu corpo, voando livremente por entre as pessoas que se encontravam ao seu redor e ela apenas sorria, sentindo tudo com intensidade. Ela era invadida por uma energia agradável e viciante também, que a levava a libertar-se de todos os preconceitos que a sociedade lhe impunha por vezes e viver tudo ao extremo, sem se importar com o que as pessoas iam pensar ou não. Apenas era ela, autêntica e vivaz, engolindo aquilo que a vida lhe dava, e mastigando e deitando fora aquilo que a sociedade lhe queria impingir e ela não aceitava de forma alguma. Queria ser diferente e era, assumindo aquilo que sentia e vivendo abertamente a pessoa que queria que os outros vissem, quer gostassem ou não.

O cansaço não parecia chegar, mesmo ela já tendo a cabeça à roda nalguns momentos. Ia buscar energias no meio ambiente que a rodeava, nela própria e nos outros, que estavam num estado parecido ao seu e eram felizes naquele espaço e tempo.

Tudo acabou em sossego, após uma união de corpos e com o nascer do sol a raiar-lhe na cara no dia seguinte, quando resolveu finalmente ir dormir e sonhar com o que se tinha passado. Ficou apenas o vício da música, o bichinho de querer repetir a sensação de liberdade e felicidade vivida no concerto, e aumentou nela algo puro e belo, a que dão o nome de sentimento.

Nunca mais ficou sóbria desde então.

1 comentário:

Anónimo disse...

ai jesus... pus a musica ao mesmo tempo que lia o texto, até me arrepiei mulher :) principalmente porque sei exactamente do que estás a falar e visualizaei a situação toda, ai bida.. a musica é linda o texto está brutal como já te disse e a ultima frase (L)


Olha continua a escrever muito, em metros em "bues", em bancos, quando eu te deixar pendurada no cais do sodré (aqui dava para escreveres um livro), serio não deixes de escrever :)**