Os raios solares do fim da tarde invadiram-nos a alma e revelaram em ambos os olhos o segredo que escondiamos. A parede calou os beijos e abraços que trocamos, num sussurro quase mudo, por entre palavras e lágrimas, acumuladas há o que pareciam décadas.
As tuas mãos foram directamente às minhas feridas e fizeste-me chorar tudo o que ainda prendia em mim, não sei se por medo ou vergonha, eram recalcamentos antigos...
As minhas mãos foram de encontro a uma miragem, no meio de um transe cemi-cerrado e estranho, onde as persianas não abriam mais do que metade da janela e o sol teimava em espreitar, para conseguir permanecer minimamente lúcida, face aos sentimentos que me cegavam e alastravam na minha pele velozmente.
As pernas tremiam, a voz fugia-me dos lábios e os ouvidos distorciam os sons que ecoavam no exterior, como se estivesse alcoolizada. Só a luz exterior me mantinha consciente de quem era, onde estava e porquê.
As lágrimas e a pouca luz dificultavam-me a visão do que me rodeava, mas mesmo assim conseguia ver todas as promessas perdidas feitas entre aquelas quatro paredes frias, que tinham sustentado o meu corpo tantas vezes em diversos momentos, acalentando duas vidas distintas que se perderam de si mesmas.
Os cadernos espalhados no chão contavam histórias que a mim pareciam ficção, eu queria acreditar que sim, mas a realidade era nítida e cruel neles infelizmente...
Arranquei páginas de raiva e procurei páginas de paz. Encontrei poucas de paz e imensas de raiva, mágoa e plena dor.
Não havia páginas em branco. Realmente não poderia haver porque o futuro não existiu. E tudo o que não chegou a existir, não se escreveu, nem os sonhos...
A porta ainda amolgada, insistia em trazer os sons e tive que ouvir música, distrair o meu cérebro da apatia que se instaurava. Tive que abrir a janela e ver a paisagem que tive tanta vez como palco, sentir o vento que apagava as mágoas dentro de mim, e imaginar-me a voar livremente até encontrar um porto seguro onde atracar e render-me à beleza humana, que raramente já encontrava.
“Cala-me, sossega-me, muda-me, conserta-me ou destroi-me...!” continuava a ouvir a tua voz a dizer-me isto, por entre tantas frases que li, esta foi a que me marcou mais.
Mas não eram os teus braços que me envolviam, nem a tua voz que ouvia a poucos centímetros de mim, nem a tua respiração ofegante nem o teu toque sufocante que tantas vezes senti... Felizmente não era e eu consegui abrir bem os olhos e constatar isso, não ter receio nem dúvidas.
Respirar e sentir.
Sentir e respirar e ver.
Ver e respirar e sentir e sorrir.
Sorrir e sentir e respirar e ver e ouvir.
Ouvir e ver e respirar e sentir e sorrir e abraçar-te.
Como se tudo fosse realmente passar e eu pudesse viver em paz de novo.
Todo um processo novo e sem marcas de expressão, nem autismos nem confusão.
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